domingo, 20 de novembro de 2011

O sujeito indeterminado


Com a proximidade do período das chuvas, chega também a época do “sujeito indeterminado”. Exemplos estarão, mais uma vez, no veredito da mídia e do povo acerca da responsabilidade pelas enchentes, inundações e alagamentos:

Jogaram lixo...”, “Entupiram o esgoto...

Juntamente com a aceitação a tal veredito, aceita-se também que o sistema de esgotos da cidade é suficiente para drenar as águas, e que ele só entope porque a população é mal educada. - Não creio serem inteiramente verdadeiras estas afirmações.

É bem verdade que qualquer tipo de via de escoamento da água, quando obstruída, não cumprirá sua função. É bem verdade também que existe muito lixo espalhado por aí, podendo ser carreado e obstruir o sistema de esgotos...Mas será verdade que esta é uma das principais causas dos alagamentos, todos os anos, em São Paulo ? Indo além, se realmente o lixo é o responsável, qual seria a parcela deste que é proveniente de despejo inapropriado, e qual a parcela que vem da inoperância no sistema de coleta ?

Apesar de não existirem respostas conclusivas para estas perguntas, a mídia e, especialmente, a prefeitura, já têm pronta a sentença: "Jogam lixo que entope os esgotos". Mas para que tal afirmação seja legítima, e não uma forma inteligente de se esquivar do problema, seria preciso, primeiramente, conhecer o volume total de líquidos e as dimensões da rede de esgoto, para então determinar se o sistema é suficiente para garantir a vazão. Isso seria comparado, então, a dados do quanto que o lixo limita aquela vazão.

Já a outra questão, se o sistema de coleta é eficiente, a prefeitura pode até estimar que, ao cobrir "X%" da cidade com a coleta de lixo, daria conta de "Y%" do volume total de lixo gerado nos bairros. Por razões óbvias - como toda informação que reflete o desempenho de uma gestão municipal - tal estimativa tenderia a ser aproximar dos 100% da área da cidade. Restaria, então, o verdadeiro culpado, o sujeito indeterminado: jogam lixo.

O uso deste sujeito como causador de todos os males, na verdade, é muito vantajoso para a prefeitura. O sujeito indeterminado é responsável pelas praças mal cuidadas, pelos poucos e péssimos banheiros públicos, pelas filas caóticas nos trens e metrôs, pelas calçadas destruídas, pelos engarrafamentos... Afinal, dentro do sujeito indeterminado estão os mal educados, e já que existe uma generalizada falta de cidadania, não é difícil convencer a sociedade de que o lixo dos mal educados é o causador dos esgotos entupidos, conseqüentemente, dos alagamentos.

Jogaram lixo...", "Entupiram o esgoto...”- Fecha-se o ciclo: não se acusa ninguém, livra-se do ônus da prova e, de quebra, da responsabilidade. O sujeito indeterminado é, sem dúvida alguma, o melhor bode expiatório que existe.

3 comentários:

  1. Lendo esse texto lembrei da campanha da dengue para esvaziar latas e pneus velhos. Queria saber dos buracos na calçada que a prefeitura deixa pra todo mundo ver. E aí, nesses casos o que adianta esvaziar a água empoçada nos quintais? Será que a prefeitura tem contrato com o mosquito e ele não pode se reproduzir nos buracos da prefeitura ? :-)

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  2. Alessandra Assunção3 de dezembro de 2011 às 00:45

    O mesmo "sujeito indeterminado" se aplica à problemática da Leishmaniose. Moramos numa região endemica mas as medidas adotadas são ridículas. Ao receberem notificação de óbito decorrente de calazar, começam a matar cachorros e a borrifar veneno indiscriminadamente pela cidade. Porque nao investir em pesquisas, pra conhecer a realidade e promover estratégias? Se a lei diz que os imóveis devem cumpriu uma função social, porque não punir os proprietarios que não constroem e permitem o acúmulo de lixo?
    Em suma: a culpa é do povo que é mal educado? Quem garante? E a que ponto?
    A raiz dos problemas se resume sempre em falta de planejamento e de transparência.

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