sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Um gás não convencional, um autoritarismo comum



Em agosto de 2013, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e a Academia Brasileira de Ciência - ABC enviaram carta à Presidência da República, questionando uma precipitada decisão da Agência Nacional de Petróleo. A decisão da ANP havia sido de incluir, na 12ª rodada de licitação de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, a possibilidade de exploração de gás não convencional.

O gás não convencional, o chamado gás de xisto ou shale gas, está "aprisionado" nas rochas subterrâneas. Sua extração é feita através do fraturamento hidráulico da rocha, ou “fracking”, e, para tanto, são injetados imensos volumes de água misturada à areia e até 600 componentes químicos diferentes. Essa mistura dificulta a reutilização da água e cria também um imenso problema logístico para seu descarte. O alerta da ciência aponta também a possibilidade de contaminação, de forma irreversível, dos aquíferos subterrâneos, seja pelo vazamentos de metano, seja da própria “mistura”.

O leilão ocorreu nesta quinta feira, dia 28 de novembro, e até então, nem a ANP nem a Presidência da República haviam respondido as perguntas simples dos cientistas: de onde vem e para onde vai essa água?

Dos 240 blocos ofertados, 72 foram arrematados, totalizando 47,4 mil km2 distribuídos em 5 bacias sedimentares, por todo o Brasil. Grande parte dos blocos de exploração está no Paraná, e ameaça o maior aquífero da América do Sul, o Aquífero Guarani. Também um dos blocos arrematados está na Floresta Amazônica, no Acre, onde não há gasodutos e o escoamento deverá ser feito por caminhões. A infra  necessária pode ser faraônica e, obviamente, vem acompanhada de especulação de terras, aquecimento econômico local efêmero e posterior abandono e pobreza. O cenário é agravado pela característica itinerante da exploração, sendo que a vida útil estimada de produção, por poço perfurado, é de 2 anos.

Mas o governo tapou os ouvidos não apenas para os acadêmicos. Organizações da sociedade civil e ministérios públicos também questionam a falta de transparência no processo decisório. Não por menos, pipocam pelo Brasil ações judiciais para impedir o fracking. Dentre os argumentos está o fato de que não há como responsabilizar uma empresa por um eventual vazamento pois, simplesmente, não há um marco que determine a condição atual dos aquíferos. Um exemplo vem do estado americano do Texas, onde existem várias usinas instaladas e cerca de 30 cidades estão sem água potável. Observou-se também a dizimação de rebanhos e plantações inteiras. Ainda assim, empresas se defendem argumentando que não há provas de sua responsabilidade.

Que pese tal aspecto, há que se considerar que, diferentemente dos EUA, as fontes de gás natural já existentes no Brasil, somadas aos combustíveis alternativos e o próprio petróleo do pré-sal, não justificariam, mesmo que apenas do ponto de vista econômico, o risco da aventura. Porque então a pressa, suplantando até a competência da própria Agência Nacional de Águas (ANA), a qual não foi envolvida na regulamentação do processo? Sem dúvida, não é mera questão de “seguir a moda americana” e a explicação pode ser mais simples. O governo Dilma gasta mais do que arrecada e, com a proximidade das eleições, teve pressa em agregar valor aos blocos ofertados para elevar o ágio, gerar maior arrecadação, e diminuir o déficit público sem recorrer ao impopular aumento de impostos. Mas tal como os impostos, somos nós que pagaremos pelos passivos ambientais gerados nesse "experimento" em larga escala. 

Kemel Kalif é doutor em Desenvolvimento Sustentável e pós-doutor em Economia Ecológica

sábado, 23 de novembro de 2013

O ladrão faz a ocasião - Parte 2

Segundo dados do IBGE, cerca de 3% dos servidores dos estados brasileiros estão em cargos comissionados, sendo apenas a metade composta de gente com nível superior. Comissionados são os "de confiança", mas existem muitas formas de contratação sem concurso público. O que pesa nisso?

Na Paraíba, por exemplo, encontramos a 3ª pior taxa de analfabetismo do país, e uma Secretaria da Educação que abriga quase metade dos 3.707 servidores contratados sem concurso (dados do IBGE).

O campeão da parada parece que é o estado de Goiás. Lá estão módicos 7.264 servidores sem concurso e, segundo o IBGE, quase 50% dos 10.177 funcionários em cargos de confiança não têm nível superior, ou nem ao menos cursaram o ensino fundamental!

Não é por menos que, recentemente, o STF considerou sem validade uma “lei” goiana que, literalmente, permitia a contratação de parentes por autoridades como juízes, deputados e secretários do governo. - Dizem até que Dias Toffoli gargalhava com os “termos” da lei.

Já nos municípios brasileiros estão 12% do total de servidores “não concursados” do Brasil. No estado do Pará, o governo federal se alia ao nome que bateu recordes em cabide de empregos, o de Helder Barbalho, filho de Jader Barbalho. A gestão do "Junior" frente a prefeitura do município de Ananindeua rendeu-lhe recordes em inchaço da máquina municipal, exatamente de cargos não concursados. Recentemente, na atual gestão, o município teve o pior índice em saneamento básico do Brasil, segundo levantamento da ONU – Alguma relação? 

Parece haver sempre espaço no guarda-roupas municipal, estadual, ou federal. O cabide de empregos segue a todo vapor no Brasil e, na sua cola, segue a péssima qualidade do serviço público. A regra do inchaço das máquinas tem um motivo de ser, além daquela trivial compra e fidelização do apoio, é notório que, sem gerar emprego e renda, a opção dos governos seja, irremediavelmente, inflar a própria máquina oferecendo mais cargos públicos.

Mas essa “regra” inclui também os cargos cujo acesso se dá via concurso público. Neste ponto é que entra o governo federal. 

No executivo o número de funcionários cresceu uns 23% nas administrações Lula e Dilma. Os 39 ministérios de Dilma, parte deles criados como moeda de troca para a base aliada, abrigam 985 mil funcionários públicos, um custo de R$ 157 bilhões, segundo o próprio Ministério do Planejamento. Ainda segundo estes dados, os cerca de 22,5 mil cargos de direção e assessoramento superior, os famosos DAS, já representam recorde histórico no governo federal.

Pagamos isso em dobro, ou mais! Não apenas pelos nossos impostos, mas também como reflexo da debandada dos investidores, desemprego, descrédito internacional...

O mercado financeiro não dá ponto sem nó, óbvio, e retira-se, deixa de investir, procura lugares "melhores", e isso ocorre com qualquer país onde as condições indiquem a possibilidade de pouco ou nenhum retorno. 

O mercado é o "vilão"? Talvez seja, mas vai a pergunta: quem, dentre nós, investiria sabendo do prejuízo? Bom, não seria investir, seria doação! Mas nenhum país vive de doação, e aparentemente o cenário pintado pelo governo brasileiro para o a comunidade internacional, é de prosperidade. 

Para atrair a credibilidade dos investidores, Dilma chama os partidos aliados para propor um "pacto". O pacto é de evitar a aprovação de medidas que promovam "novos cortes de impostos", e a outra parte deste pacto envolve não aprovar medidas que gerem gastos "fora do previsto no orçamento". O que é considerado “fora do previsto”, não se sabe, mas investidor sabe que não há governança em ano eleitoral.

Investidor sabe também que o primeiro ponto a ser considerado, é que não se deve esperar desoneração tributária. A competitividade brasileira continuará engessada por sua carga tributária, a economia não aquecerá pois pobres continuarão sendo tributados exatamente da mesma forma que os ricos, pelos impostos indiretos, aqueles incidentes na venda e no consumo. Diga-se de passagem, a maior fonte de arrecadação do governo são os impostos incidentes em quem mais consome: exatamente os pobres.

Segundo: o tal pacto não fala em rejeitar novos aumentos de impostos, e podemos esperar, pelo menos antes das eleições de 2014, aumento dos impostos diretos, aqueles que incidem sobre a renda e o capital, os mais populistas que, costumeiramente, os governos populistas costumam alterar (em São Paulo, Haddad já deu o exemplo do que virá!).

Já o terceiro e mais amedrontador ponto é uma pergunta com resposta que estará na ponta da língua: onde está a redução dos gastos públicos sobre a despesas do governo com sua própria manutenção? 

Quarto e último ponto: Em qual parte da história deixou de ser importante dar o exemplo, para firmar um pacto?

(to be continued, unfortunately)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O ladrão faz a ocasião...


"Como grande parte da população brasileira, eu também já fiquei desempregado. Na época, depois de muitos "nãos", deixei de lado a formação acadêmica e um pouco de soberba, e passei a tentar emprego em áreas que eu não tinha o mínimo de conhecimento. Imagina no que teria dado? Se na minha área cometo mancadas, quais teria aprontado na área dos outros?"

Este foi meu relato numa grande roda de bar. Depois de algumas, qualquer besteira, desce mais uma, e os amigos, os amigos dos amigos, os conhecidos destes últimos, gargalhadas...

Alguém comentou: "o bom mesmo é cargo comissionado, não precisa nem ter formação, nem bater ponto, muito menos entender da coisa...".

Desce mais uma, outra porção de maminha... Teria muito a falar sobre aquele comentário, mas não conseguiria fazer isso sem constranger o interlocutor. Um sorriso amarelo, um concordo sem graça, o assunto tomou outro rumo...

O fato é que os tais cargos comissionados, de confiança, ou mesmo em outros regimes de contratação que não o concurso público, são garantidos para os políticos, seja nas esferas municipal, estadual ou federal, do legislativo ao executivo. Logicamente estes cargos são usados como moeda eleitoral, como formação de pequenas capitanias hereditárias, como favorecimento familiar, etc. Mas o grande problema é o fato de que são cargos almejados pelo cidadão como um prêmio, como uma oportunidade de altos salários e pouco trabalho, sinônimo de vida fácil.

Aqui se revela a parte mais promíscua da relação entre a sociedade brasileira e a política brasileira. O cidadão "comum" reclama do mal uso de seus impostos, mas não há problema se ele for o favorecido; já o homem público, um verdadeiro godfather em seu gabinete abarrotado de agregados, legitima e perpetua seu poder dentro da lei da vantagem pessoal.

O impulso contido em meu sorriso amarelo era a vontade de retrucar: de onde vêm os corruptos, senão da mesma sociedade que os condena? Neste ponto dá até para dizer: ao contrário do que se pensa, a classe política representa, de fato, o desejo da sociedade.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O xisto é nosso...


Em meio a corrida presidencial de 2010 havia um assunto espinhoso rolando. Era a proposta de alteração do Código Florestal Brasileiro, encabeçada pelo então Deputado Federal Aldo Rebelo do PC do B. Em campanha, Dilma afirmou que, se eleita, vetaria o que representasse impactos ao meio ambiente. A que impacto se referia, sobre "qual" meio ambiente falava, não se sabe... Rolou pra cá, rolou pra lá, um veto aqui, um remendo ali, quando enfim chegou o momento, Dilma sancionou. Não apenas sancionou, mas deu de presente para o palmeirense Aldo Rebelo um ministério, o dos esportes.

Contrário ao que havia sido apresentado pelo deputado do PC do B, estava, em peso, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciência (ABC), representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), pesquisadores das mais variavas universidades, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, e mais um zilhão de pessoas. Argumentos científicos apontando impactos ambientais resultantes da Lei, não faltaram. Cartas foram enviadas a presidência da república com posicionamento oficial da SBPC e ABC, coletas de assinaturas contrárias a Lei tomaram redes sociais e... nada!

Agora, mais uma vez a SBPC, ABC e sociedade civil, estão falando para as paredes... Em agosto de 2013, SBPC e ABC enviaram carta à presidente Dilma questionando, oficialmente, a precipitada decisão da Agência Nacional de Petróleo de incluir a exploração do gás de xisto numa licitação prevista para o fim de novembro. Até hoje, quase as vésperas do leilão, nenhum retorno da presidente foi dado à ciência brasileira.

O gás de xisto, ou shale gas, está aprisionado nas rochas de “folhelo”, abaixo do lençol freático. Para sua exploração é necessário utilizar imensos volumes de água para manter os canais de extração (poços) abertos. A água é injetada nos poços e pode ser depois retirada, mas a presença de cerca de 600 substâncias contaminantes impede sua reutilização, e também o seu descarte.

Os cientistas também apontam, o Brasil é completamente incapaz de determinar o impacto da exploração do gás de xisto, o que impede enquadramento de empresas em crimes ambientais. Não há como responsabilizar uma empresa por um eventual vazamento de contaminantes dentro de um aquífero subterrâneo, pois, simplesmente, não há um marco que determine a condição atual destes aquíferos. Outro ponto a se considerar na balança é que não existe tecnologia para recuperar/mitigar um dano sofrido por um aquífero. Isto posto, o impacto é maior em regiões dependentes de aquíferos subterrâneos, como o Nordeste, exatamente onde o governo pretende iniciar a exploração.

Mas parte dos 240 blocos de exploração a serem licitados está na Amazônia, mais especificamente no extremo oeste, na região do Acre. Não há gasodutos por lá e o escoamento precisará ser realizado por caminhões. A infra necessária pode ser faraônica e não se sabe o reflexo disso no preço do gás. Pesam também os efeitos que acompanham toda e qualquer obra realizada na Amazônia: especulação de terras, inchaço de cidades pelos canteiros de obra e aquecimento econômico local efêmero seguido de abandono e pobreza. Este cenário é ainda agravado pela característica itinerante desse tipo de exploração. A vida útil estimada de produção de gás por poço é de 2 anos. 

Nos EUA é uma moda. Lá chamam de "revolução do xisto" e praticamente todos os estados americanos exploram suas reservas. Mas a SBPC e ABC perguntam à Dilma, o que o Brasil vai fazer com água resultante da exploração e, especialmente, o Brasil realmente precisa de gás gerado de xisto? De fato há muitas coisas que o Brasil não precisa, uma delas é de um governo que fecha os olhos para o conhecimento científico. 


sábado, 9 de novembro de 2013

Para que tanta perna, meu Deus?

Vendo grandes manifestações populares, sempre lembro deste trecho do “Poema de sete faces”. 

Gosto de Drummond, e gosto das análises e especulações sobre como teria sido possível mobilizar tantas pernas naquelas manifestações do meio do ano. Gosto, mas não me arrisco nessa área, nem dos poemas, nem das causas das mobilizações. Arrisco noutra, na área das consequências: no que resultará tanta perna, meu Deus?

As pernas, espremidas - não mais no bonde de Drummond, mas nos atuais coletivos urbanos - reclamaram, uníssonas, da péssima qualidade do transporte público. Em São Paulo tal reclamação dilui-se entre prefeitura, que administra ônibus urbanos, e o governo do estado, que administra metrô, trem e transporte intermunicipal.

São Paulo capital concentra muitas pernas e, com elas, os grandes desconfortos de um sistema de trasporte que não acompanha a demanda das pernas. São Paulo também tem o maior número de pernas que andam para votar: cerca de 18 milhões delas, ou 9 milhões de eleitores. Significa dizer que o desempenho de um prefeito aqui, pode ter reflexo no desempenho do seu partido noutras esferas eleitorais.

Foi assim que os prejuízos políticos de um ano pré eleitoral foram pesados e, bingo..! Os 12 milhões de paulistanos, com suas 24 milhões de pernas, foram agraciados com a redução da tarifa de ônibus e, ainda, com o pretenso congelamento desta tarifa. 

Mas algo aconteceu entre as primeiras declarações do prefeito Haddad em atenção às pernas das ruas, e o momento em que foi anunciada a redução da tarifa. No auge das manifestações, Haddad havia declarado: era impossível retroceder no preço do ônibus! Até concordei! Afinal o aumento de R$ 3,00 para R$ 3,20 havia sido postergado em 2012 pelo então prefeito Kassab - quem sabe para deixar seu impopular mandato sem mais essa impopularidade!?

Mas eis que aqui aportou a trupe... Lula, Dilma e marqueteiro(s) - estes com mais bocas do que pernas - reuniram-se com Haddad. O prefeito voltou atrás e os tais 20 centavos foram eliminados. Sem dúvida não foi uma reunião de mero convencimento de Haddad para "ceder" às ruas, foi uma reunião de alinhamento da estratégia "presidentA 2014", com marqueteiro(s) a tiracolo. O que se desenhava ali naquela reunião em quarto de hotel chique de São Paulo?

Acalmados os ânimos, a "demagogia Robin Wood" petista deu as caras. Manobras "esquisitas" na câmara de São Paulo tiraram as pernas da oposição para aprovar o aumento do IPTU e, mesmo com liminar contrária, o prefeito sancionou: Vamos aumentar o IPTU "dos ricos" e reduzir o "dos pobres". Tudo para manter congelado o preço da passagem sem desequilibrar as contas públicas. A Lei está sem efeito, mas muita coisa ainda vai rolar...Por hora, deixa pra lá!

Paralelamente, não relacionado à liminar, mas talvez como parte da estratégia desenhada naquele hotel no meio do ano, Dilma veio aqui novamente. Dessa vez, aparentemente, com as própria pernas, não estava acompanhada da trupe, mas sim de alguns bilhões para obras em mobilidade urbana na metrópole. 

Agruras petistas devidamente transformadas em oportunidade! Super mérito! O projeto aqui tem tríplice caráter: “presidentA 2014”, “Padilha SP” e, claro, eliminação do tucanado. Não por menos os marqueteiros estão sempre por perto, não por menos nunca se investiu tanto em autopromoção. 

Que joguem-me as pedras... Mas, se por um lado a efervescência elevou o senso crítico colocando muitas pernas, ouvidos e bocas, nas ruas, por outro, sua característica ad hoc tem gerado efeitos deletérios. Terá sido apenas uma horda revoltosa, um aglomerado de pernas que, pela necessidade de expressar um descontentamento generalizado teria, assim, um efeito agregador e multiplicador? Porque não se consegue mais mobilizar quantidade semelhante de pernas? Ok, ok... Não me arriscaria na área das causas, certo? 

Na verdade, talvez seja prudente não me arriscar nem na área das consequências! Afinal, as causas e consequências de 2013 serão sempre revisitadas, e seu reflexo para as eleições de 2014 dependerá, talvez, de quantas pernas a trupe tiver para investir nas bocas dos seus marqueteiros.

No final de tudo, "...O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada..."

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Desarticulação, tolerância e descrédito.

Texto publicado no Estadão Noite (23/09/2013)



O ano era 2003, o primeiro ano de Lula, e um processo – hoje amplamente conhecido – estava apenas começando: a migração de lideranças socioambientais, da sociedade civil organizada para o governo.

A assimilação de cabeças "ponto org" pelo mundo "ponto gov" soava como avanço rumo ao balanceamento da relação desenvolvimento vs meio ambiente. Havia um sentimento de que, finalmente, as questões socioambientais romperiam sua condição marginal na política econômica.

Na contramão daquela euforia das organizações independentes, publiquei um artigo, diga-se, pessimista. Sugeria o início de um processo de desarticulação dos movimentos socioambientais, e também descrevia como a tolerância da sociedade civil se elevava mediante as ações - ou falta delas - governamentais.

Provavelmente não foi um objetivo deliberado, mas talvez tenha sido um efeito colateral muito bem vindo ao governo. O que ocorria era o esvaziamento da massa crítica – em tese apartidária – capaz de argumentação contrária ao governo. Era, portanto, um alerta sobre a existência de um artificialismo que reduzia o conflito entre anseios socioambientais e o legado desenvolvimentista.

Foi neste contexto que, paradoxalmente, a agenda socioambiental foi sendo gradativamente preterida, empurrada novamente para a margem do velho crescimento econômico. Fóruns consultivos foram extintos e legislações, notadamente o Código Florestal Brasileiro, foram alteradas, num conjunto de ações tidas pela própria sociedade civil “remanescente”, como imenso retrocesso socioambiental.

Mas se por um lado as previsões foram acertadas, por outro, um terceiro processo, não imaginado no artigo de 2003, veio se intensificando. Trata-se do caminho inverso, ou seja, o mundo "ponto gov" também se arriscou dentro do mundo "ponto org"... Não tardou para que alguns dos nossos ilustres políticos vissem, no terceiro setor, novas formas de enriquecimento ilícito. Criaram suas próprias fundações e associações sem fins lucrativos, porém, obviamente, de mera fachada. O resultado, sabemos: desvio de recursos.

Este talvez tenha sido o efeito mais deletério para a sociedade civil organizada, especialmente para as entidades sérias que realmente trabalham pelo que se propõem em seus estatutos. Passaram a carregar um estigma que antes marcava apenas a política brasileira: o da corrupção.


Significa dizer que arrisquei uma previsão bem pessimista, 10 anos atrás... Teria sido mais assertivo se tivesse sido muito mais pessimista.

sábado, 21 de setembro de 2013

Respiração tributada

Embora não se pague imposto para respirar (pelo menos até agora), os impostos estão em tudo que possa ser precificado, sejam bens, sejam serviços. Não apenas impostos, mas também encargos e contribuições... Significa dizer que, neste exato momento, enquanto escrevo neste velho laptop guerreiro, estou consumindo energia onde incidem tributos e outros encargos. E já que estou conectado, também incidem os impostos e encargos que estarão na minha conta a pagar para a operadora de internet. 

Ok, e se eu resolver desligar tudo, nem comer esse belo feijão que me aguarda na cozinha, pois ele veio recheado de impostos, se eu simplesmente dormisse o dia inteiro, ficaria livre de impostos? Bom, estou usufruindo do meu condomínio e, ao pagá-lo, lá estão os impostos. 

Ok, então me mudarei para uma casa sem condomínio, não usarei gás, não usarei energia, não usarei água... Pronto, estou livre ? Não ! Teria ainda, no mínimo, o IPTU, e mesmo que me tornasse um indigente, as sobras e migalhas da minha sobrevivência seriam geradas pagando impostos. 

Então será que dá para dizer que não há impostos no ar que respiramos? Talvez não, mas a diferença é que não podemos parar de respirar, mas podemos parar, por um dia inteiro, todos juntos, de fazer algumas coisas que geram impostos...

Vem aí o dia sem imposto.

Aguarde!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

De José Ninguém para Zé Alguém


Eis que ao passar pela Vila Mariana, região sul da capital paulista, José vê um aglomerado... Fotógrafos e cinegrafistas apontam suas lentes pra cima, jornalistas narram algo ao microfone. "Alguém vai pular do prédio?". Então José, que naquele dia de 18 de setembro de 2013 acabara de pagar suas contas no último minuto do horário bancário, agora com o bolso esvaziado, com tempo de sobra, e com milhões de preocupações lhe atormentando, resolveu olhar... Talvez a mórbida sublimação da desgraça alheia lhe acalentasse.  Mas não havia ninguém na janela do apartamento para onde todos olhavam. Ao contrário, as cortinas fechadas nem ao menos balançavam. 

Eis que, por volta de 17:00 horas, José escutou um grito de comemoração vindo do sombrio apartamento. Jornalistas se entreolharam, muxoxos estalaram, e o aglomerado se dispersou... José, um José ninguém, não sabia, mas o grito veio de outro José, este um Zé alguém: um Zé Dirceu.

Cabisbaixo, José Ninguém seguiu sem nada entender...

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Amnésia: o menor dos males

Dizem que eleitor brasileiro não tem memória... Que no ano seguinte já não lembra das mazelas de dado candidato e, o reelege.


Sem querer teorizar sobre possíveis variáveis explicativas da manutenção de velhas raposas no poder, arrisco dizer: seria muito bom se "apenas" uma amnésia do eleitor fosse o grande mal do Brasil.

Um exemplo emblemático deve ser visitado para rejeitar a hipótese da amnésia. Mas façamos tal visita de forma temporal diferente. Ao invés de tentar avaliar algum evento do passado que ninguém "lembra" mais, citemos um exemplo do presente que, no futuro próximo, ninguém "lembrará" mais: a questão do voto secreto dos parlamentares.

Pois bem, o evento do presente pode ser resumido da seguinte forma:

A Câmara dos Deputados aprovou proposta que prevê o fim do voto secreto dos parlamentares. Já o Senado Federal aprovou outra proposta, uma que prevê o fim do voto secreto, porém, somente em casos de cassação de mandatos. O que foi aprovado na câmara precisa ainda ser votado no senado. Já o que foi aprovado no senado precisa ser votado na câmara. Mas o discurso já está preparado: “Estamos atendendo as reivindicações das ruas".

-Será?

A PEC "da câmara" estava engavetada há 7 longos anos, e apenas agora alguém resolveu remover-lhe as teias de aranha... O atraso, por si só, já elimina a falácia de uma suposta sintonia entre o legislativo e o desejo popular. A PEC "do senado" levou menos tempo para ser aprovada pela casa, e bastaria agora ser votada na câmara. Seria um caminho mais curto, no entanto, não seria ainda um instrumento capaz de nos fornecer a tão almejada transparência.

Já o evento futuro pode ser resumido no contexto das eleições 2014.

Os jargões explorados pelos marqueteiros não serão mais os usuais: "mais saúde", "mais educação", blá blá blá... Serão, com todas as pompas, "manifestações de julho", "clamor popular", blá blá blá (2). Independente do que vier a ser, no final, posto para a sanção presidencial sobre abertura de voto dos parlamentares, a questão já traz, pela essência, um aspecto de “ganha-ganha” para os políticos e suas campanhas. Em outras palavras, independente da efetividade ou tempestividade das propostas, obviamente, TODOS os parlamentares exaltarão seus supostos papéis para mudar o país.

Neste ínterim, quando começar a ladainha eleitoral, não conseguiremos aferir legitimidade aos discursos nem identificar a falácia eleitoreira, e o problema, sem dúvida, não será a falta de memória. No ano que vem, provavelmente, assimilaremos aquilo que a mídia nos disser, e lembraremos do presente sem perceber que o estamos lendo superficialmente.

Não é, portanto, uma simples amnésia! É que ignoramos os buracos da informação, os quais serão preenchidos, oportunamente, no futuro.

Resolver isso é complexo? Sim, demais! Por isso mesmo “se” a falta de memória, se, tão somente ela, fosse o motivo das decisões eleitorais ... Ah, que bom seria!

Kemel Kalif

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Se é legal tá tudo bem?

Ministro da Fazenda falou e reafirmou: governo não considera novas desonerações em tributos e contribuições federais.

O argumento é que as desonerações já realizadas não deixariam mais espaço para novas reduções e/ou isenções de impostos. Governo estaria no limite daquilo que poderia renunciar em termos de arrecadação fiscal.

O problema é que, com tal declaração, governo considera, tão somente, se o nível de arrecadação será suficiente para pagar as contas públicas, mas não considera reduzir tais contas. Significa dizer, ignoram aquilo que é o motivo histórico dos descontentamentos: necessidade de cortes nos elevados gastos públicos.

E quando se fala em corte de gastos, não é corte de investimento, não é piorar serviços básicos como saúde e educação, não é eliminar uma secretaria ou um órgão essencial... Trata-se de cortar gastos com a soberba política e, se não é considerada uma soberba, trata-se, então, de discutir qual a necessidade, por exemplo, do volume atualmente destinado como verba de gabinete para parlamentares.

Segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, um senador, por exemplo, custa R$ 33,4 milhões por ano, e um deputado federal custa R$ 6,6 milhões.

Para senadores tem o subsídio mensal e, além do 13º, tem 14º e 15º, recebidos, respectivamente, no início e no final de cada sessão legislativa. Têm também direito a 11 profissionais (seis assessores e cinco secretários parlamentares); verba Indenizatória de R$ 15 mil (para uso em gastos nos estados, com aluguel, gasolina, alimentação); auxílio-moradia (R$ 3.800); cota postal (varia segundo o número de eleitores do estado- Um senador do estado mais populoso, SP, tem direito a usar até R$ 60 mil/mês.Também têm cota telefônica (R$ 500 mensais); passagens aéreas (valor mínimo é de R$ 4,3 mil e máximo de R$ 16 mil); combustível (25 litros por dia); gráfica (R$ 8.500 por ano)...

Já deputados federais têm subsídio mensal, 13º, 14º e 15º salários; verba de gabinete de R$ 60 mil; verba indenizatória (R$ 15 mil, obs: verba pode ser acumulada); auxílio-moradia (R$ 3 mil); cota postal e telefônica (R$ 4.2687,55 para deputados, e R$ 5.513,09 para líderes e vice-líderes da Câmara, presidentes e vice-presidentes de comissões permanentes da Casa); passagens aéreas (valor mínimo é de R$ 4,3 mil e máximo de R$ 16 mil); gráfica (R$ 6 mil)...

E olha que não estamos falando nem dos deputados estaduais e vereadores, o que varia em números de representantes e nos montantes a que têm "direito" de gastar.

Ora, para manter uma estrutura dessas, é provável mesmo que reduções no volume arrecadado aumente o déficit público, seja no governo federal, seja nos estaduais ou nos municipais. Mas não é isso o que tem que vir a tona!

O que tem que emergir dessa declaração está nas entrelinhas, ou seja, significa que o governo não está disposto a reduzir gastos. Ao contrário, governo corre e, aos tropeços, abre as torneiras da verba pública para atender as emendas parlamentares. Com isso, tenta garantir a desobstrução das pautas que lhe são de interesse, ameaçadas de travamento pela própria base aliada – Aliás, diga-se, uma base mui amiga, daquelas que se constrói de forma tão coesa quanto rejunte feito com cuspe.

Na verdade, quem deveria falar sobre “impossibilidade de novas desonerações” seria a Presidência da República, e procurar lidar com própria fragilidade, e de sua base, o que inviabiliza os mencionados cortes de gastos públicos. Também deveriam dar as caras a Presidência do Senado e da Câmara dos Deputados, e explicar porque não abrem mão das dezenas de assessores familiares, desqualificados e fantasmas. Por fim, são os 81 senadores, 513 deputados federais, alguns milhares de deputados estaduais e vereadores, e mais um zilhão de supostos assessores e secretários, que precisam saber que o antiético é, por vezes, pior que o ilícito.


E no final das contas, vejamos a grande esperteza incutida na declaração do Ministro da Fazenda. Em uma só frase passa mensagens para apaziguar os ânimos de dois grupos distintos: De um o lado, para os parlamentares, o recado é: "não se preocupem, suas regalias não serão cortadas". Do outro, para a população, a grande mágica foi a de transformar em benefício uma péssima notícia. Em outras palavras, na medida em que fala, “estamos atentos às reivindicações das ruas", na verdade, quer dizer, "cobraremos mais e mais impostos, pois não importa se é ético, importa que é legal".

sábado, 10 de agosto de 2013

Afinal, o que é legítimo ?


Contra os maus tratos aos animais de brinquedo, ocorre, neste momento, uma manifestação dentro de casa... Manifestantes protestam também contra o monopólio dos bichos de pelúcia que ocupam cargos de destaque no quarto das crianças, e seguem, neste momento, em caminhada até a prateleira central. Já viraram 3 carrinhos hot wheels, bagunçaram um cubo mágico, agrediram um playmobil jornalista e saquearam o jogo banco imobiliário. Manifestantes dizem que existem soldadinhos de plástico infiltrados, disfarçados de my little pony, e que teriam incitado a quebradeira.



Legítimo é tudo aquilo que dado grupo, identificado por anseios comuns, disser que é legítimo !

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Carros feitos para andar somente na contramão

Montadoras, associações de engenheiros e até sindicatos estão pressionando para liberação, no Brasil, da comercialização de automóveis de passeio movidos a diesel. 

A argumentação pode até parecer convincente, afinal seria mais barato e até poderia poluir menos que a gasolina. Então tá, mas a questão não é essa! A questão é de matriz energética, de investimento na contramão da tendência de redução da dependência a não renováveis. Brasil foi pioneiro no programa proálcool, mas a falta de políticas setoriais quase que chafurdou tudo. A produção de alternativas como o biodiesel também não vem recebendo a devida atenção governamental. 

Agora, com o argumento de que o Brasil está auto suficiente em petróleo, querem jorrar o barril ? Mesmo que  os números de produção nacional de petróleo sejam verdadeiros, precisa lembrar que, assim como a dependência, a auto suficiência é temporária. É preciso considerar que as variáveis são dinâmicas e, independente da descoberta de novos poços, a única tendência imutável é de finitude do recurso. Em quanto tempo, não sabemos. Mas sabemos que é para isso que as nações têm que se preparar!


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Decifra-me e te devorarei, mesmo assim!

Costumamos apelidar o Imposto de Renda de “leão”, e o porquê disso é mais do que intuitivo. Mas porque apenas o Imposto de Renda haveria de ter um apelido de um animal voraz, um grande predador? Acho que cada imposto, tributo ou contribuição compulsória merece um apelido de grande predador. Qual seria, então, o apelido do INSS, qual seria o do IPTU, do ITR, PIS, COFINS, ITBI/ITCMD, FUNRURAL, CSLL..?

Tá bom, vamos melhorar a situação. No lugar de quebrar a cabeça com cada imposto, vamos colocar tudo no mesmo saco e chamar aquele saco de “tributação”. Aí sim... Qual o animal que poderia ser usado para representar o conjunto de todos os impostos, tributos e contribuições federais, estaduais e municipais, no Brasil?

Apenas na mitologia existe uma criatura capaz de, intuitivamente, emprestar o nome aos tributos brasileiros: a Esfinge Grega!

Sim, a tributação é enigmática, é voraz... Lança seus enigmas e devora a tudo e a todos.

Basta você pensar numa pergunta simples, algo do tipo: “quanto custaria minha refeição se não existisse imposto?”. Para uma resposta exata, tantas variáveis haveriam de ser consideradas que, na certa, você seria a refeição da esfinge.

A diferença entre a esfinge e a tributação é que, no caso da primeira, o enigma é lançado e quem o desvendar será poupado. Já no caso da tributação, não. Mesmo a sapiência e a astúcia de Édipo Rei, o mitológico herói que derrotou a esfinge ao decifrar seu enigma, não seriam  páreas a desafiar a esfinge tributária brasileira.

Mas no final, o que importa é que não é preciso decifrar todas as facetas e artimanhas da nossa esfinge, na hora de exigir melhor eficiência no uso daquilo que ela tira de nós. Devemos mesmo é exigir que ela tenha um melhor metabolismo, que aproveite bem aquilo que come, que não seja uma obesa mórbida... A metáfora serve para a máquina estatal brasileira, para as administrações públicas, para as políticas tributárias, enfim, como é óbvio, para o uso adequado daquilo que é arrecadado.

O que falta talvez não seja uma dieta para a esfinge brasileira, pois sua fome tem uma razão de ser. Sua fome serve para equilibrar os cofres públicos e, logicamente, na medida em que nas entranhas destes cofres existem inúmeros parasitas, a fome nunca acaba. Mais do que uma dieta, a esfinge brasileira precisa é de remédio, um vermífugo, um carrapaticida, um combate generalizado contra os parasitas que habitam seu corpo: os políticos corruptos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Deficit público ou desperdício público ?



Bom, como não poderia ser diferente, a revolta é grande !!!

Esse jantar do Henrique Eduardo Alves dado a seu partido, usando verba da câmara que está alocava na rubrica de despesas urgentes, é mais uma afronta! A soberba é tão grande que mesmo depois de usar jatinho da FAB para assistir jogo no Maracanã, o presidente da câmara continua desafiando o povo !
Veja, foram 28 mil gastos num jantar para 80 pessoas, ou seja, R$ 350,00 por pessoa. Meu almoço, promocional, custa 19,90 reais num sistema "all you can eat". Com esse dinheiro eu comeria á vontade por 17 dias, E se não tivessem impostos, provavelmente este meu almoço custaria uns 10 reais, e eu almoçaria então por um mês. Significa que os 28 mil gastos para o evento alimentariam, por um mês, 80 pessoas.

Conclusão: literalmente a comida é tirada de nossas bocas para alimentar a farra da realeza ! Tem alguma diferença entre isto e a idade média, onde cavaleiros armados arrancavam tudo que era de valor dos camponeses ?


sexta-feira, 12 de julho de 2013

A pulga e o barulho

Pois bem, como é do conhecimento geral, no dia 09/07/2013, foi votada a PEC 37/2011 - aquela que previa redução, de 2 para 1, do número de suplentes de Senador, e ainda restringia parentes como suplentes. Talvez sem imaginar a repercussão da não aprovação desta PEC, o placar de votação registrou 17 votos "não", ou seja, contra a aprovação; uma abstenção; 16 faltas...

A proposta não foi aprovada, pois os 46 votos a favor da PEC não completaram o mínimo necessário para aprovar uma proposta no senado (que seria de 49).

No dia seguinte, atônitos pelo impacto negativo da não aprovação, e pelos dedos virtuais apontados, os senadores desenterraram uma "Emenda 2 (Substitutivo) a PEC 11/2003", pondo em votação novamente a questão da redução de suplentes de senador, e restrição a nominação de parentes para tal suplência. E vejam, houve apenas um voto contrário, uma abstenção!

Quem faltou na votação do dia 09/07 nem se preocupou em correr para parecer "bem na foto", pois os 16 faltosos foram quase os mesmos nos dois dias. Os que haviam votado "não" anteriormente, estes sim é que correram para mudar seus votos na sessão do dia 10/07, e assim, quem sabe, evitar ter o nome estampado nos cartazes carregados pelo povo nas ruas.

Então senti uma coceira na orelha - era mosquito ?

Porque diabos não era uma votação com presença absoluta dos senadores, já que a mídia estava com lentes e microfones voltados ao Senado? Porque os faltosos pareciam não estar nem aí, enquanto que os que haviam votado "não", praticamente se acotovelavam para, rapidamente, registrar seu voto de "sim, sou a favor" ?

Foi então que percebi que aquela coceira não era de mosquito, era de pulga. E de lá de trás da orelha, a pulga me pinicava, e tentava até falar alguma coisa.

Bom, já que nunca fui bom em entender a voz da pulga, resolvi consultar quem entende...- não de pulga, mas de política - Me explicaram e, por fim, compreendi...- Não a política, mas a pulga.

A pulga fazia barulho, mas talvez fosse, dessa vez, uma caso de pulga escandalosa.

O fato é que ser suplente de senador não é ser vice de senador, suplente de senador não é remunerado e, neste ponto, pouco importa se tem 1, 2 ou mais suplentes! O que realmente importaria seria, neste pandemônio eleitoral, que o suplente fosse escolhido pelo voto (usar os mais votados para o senado seria uma boa opção). Na prática, quando votamos em um senador, estamos votando em mais 2 possíveis senadores, uma vez que o titular escolhe seus 2 suplentes. O suplente serve para assumir o cargo em caso de saída do senador para ocupar outro cargo, pedido de licença, renúncia, morte, etc. Significa dizer que, não raramente, alguém que não foi eleito pelo famoso voto direto da belíssima democracia brasileira, assume um mandato inteiro de senador.

Outro ponto, a restrição a nominação de parentes para a suplência, sim, é importante, mas seria completamente desnecessário se a escolha do suplente obedecesse o ranking dos votos apurados numa eleição. Mas, ao menos por enquanto, essa restrição é importante para evitar essa grande "capitania hereditária" que é atualmente o senado brasileiro (Veja: http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_3/2008/09/15/em_noticia_interna,id_sessao=3&id_noticia=79586/em_noticia_interna.shtml ).

A pulga poderia se proliferar rapidamente, chegar até as ruas... Por isso correram os políticos aos seus postos, trabalharam dobrado... Grande receio de impactos negativos em ano pré-eleitoral... A população  comemorou: passou a "PEC dos suplentes e parentes de senadores". Mas no final das contas, é apenas a voz da pulga que, invariavelmente, é renitente atrás das orelhas que não aguentam a soberba dos nossos políticos.No final, foi apenas um típico caso de pulga atrás da orelha, a mesma que faz muito barulho por nada.

Kemel Kalif

sábado, 16 de março de 2013

Charlatanismo histórico

Gosto do History Channel mas esses programas de alienígenas e disco voadores "do passado" são absolutamente patéticos, para não dizer criminosos! Ontem vi os caras querendo "provar" que a peste negra, aquela que dizimou 1/3 da Europa medieval, teve origem num ataque alienígena. Disserem que por volta de 1300 um navio chegou a Europa e os marinheiros estavam todos, "misteriosamente", infectados. Disseram que "relatos da época" falavam em "objetos no céu" espalhando uma "nuvem negra" na Europa, e que daí a peste negra se espalhou. PQP! Simplesmente ignoraram ao menos um século de histórica anterior, quando na Ásia e África já ocorriam infecções da peste negra pelo contato do ser humano com pulgas e carrapatos infectados pela bactéria. Ignoraram também os reais fatores de proliferação da doença. Cem anos depois, por volta de 1300, a bactéria encontrava um hospedeiro de fácil acesso, e amplamente distribuído por toda a Europa: o rato preto! É bom lembrar que o rato era parte aceita da paisagem dos centros urbanos da época, e não a figura nojenta, perigosa e cheia de doenças como significa hoje! A medicina era tomada por crenças religiosas e as técnicas de cura como a sangria, apenas adiantavam a morte. É óbvio que, na medida em que um rato poderia carregar cerca de 6 pulgas infectadas, o contato com os humanos foi desastroso! Tem que lembrar também que era época de grandes navegações e, com esta globalização, também se dava início a época das pandemias, especialmente num mundo pré penicilina. Daí a história todos já sabem, a peste negra, ou peste bubônica, resultou na morte de 1 em cada 3 pessoas da Europa, e isso, de fato, resultou num cenário apocalíptico. Agora vêm esses pseudo estudiosos desse papo no estilo Erich von Daniken estimular a ignorância para ganhar dinheiro em cima dela ! Um bando de charlatões se aproveitando da sociedade atual que, além de ler pouco, lê lixo no pouco que lê. O único fato histórico que há nisso é que charlatanismo e ignorância sempre caminharam de mãos dadas!