Deveria incomodar, mas já nem
incomoda mais, o fato de um ministro não entender da pasta que comanda. Não
incomoda, pois é praxe e já perdemos a paciência. Mas e quando, além de não
entender patavinas do assunto, um ministro “joga contra” o que comanda? Se não
nos incomoda o “muito trivial”, nos incomodemos então com o “menos trivial”.
O ministro da Ciência e
Tecnologia é um desses casos. Em 2010, o então deputado federal Aldo Rebelo
formulou toda sua argumentação para derrubar o Código Florestal em supostas armações
internacionais, as quais financiariam ambientalistas no Brasil com um único propósito:
atravancar o desenvolvimento do País com a “desculpa” da conservação da natureza.
Um relatório de uma ONG americana intitulado “Farms Here, Forests There” (Fazendas
aqui, Florestas lá), acabou sendo usado como a “prova” cabal de que um complô internacional
armava-se para impedir a expansão do agronegócio brasileiro.
O referido relatório, da ONG
Union of Concerned Scientists, trazia menções explícitas ao Brasil, argumentando
que os EUA não teriam como competir com a imensa e barata produção de commodities
brasileiras. Grande erro. A ideia do relatório era pressionar o Congresso americano
a aprovar leis que viabilizassem mecanismos de pagamento pela manutenção de florestas
“em pé” pelos americanos aos brasileiros. Mas é óbvio que o simples título –
Fazendas aqui (nos EUA), floresta lá (no Brasil) – foi interpretado como uma
manobra imperialista, uma verdadeira afronta ao nosso complexo de
inferioridade.
O deputado viu também
conspirações na ciência mundial e buscou, então, argumentos entre os chamados
“climate change deniers” (“negadores das mudanças climáticas”, ao pé da letra) –
uma linha minoritária na ciência que defende a não existência do aquecimento
global. A estratégia foi usada para invalidar as inúmeras críticas a sua
proposta de alteração do código florestal, dentre elas, o estímulo ao aumento do
desmatamento na Amazônia e possíveis consequências nas condições climáticas
regionais e nacionais.
Pois bem...
Agora em 2015 o ministro Aldo
Rebelo continua procurando cabelo em ovo, desta vez para defender a Petrobrás. Não
por menos, o ministro usou parte de sua fala na aula inaugural de um curso de
engenharia em SP para apontar uma suposta conspiração internacional para derrubar
a estatal brasileira. Em seu discurso, interesses externos estariam por trás de
uma campanha para tornar a Petrobrás menos competitiva e, de quebra, privatizar
o pré-sal!
Nisso tudo, o que realmente
preocupa não é o trivial, seja o retrocesso no Código Florestal, seja a debacle
da Petrobrás. Incomoda mesmo é o fato de que os rumos da ciência brasileira estejam
nas mãos da uma xenofobia casual e oportunista! O que deverá ocorrer quando um cientista
brasileiro renomado, que porventura tenha sua pesquisa financiada por países
ricos, se posicionar contra o ministério ou o governo? Este será desmerecido?
Será um eterno “representante de interesses externos”?
O fato é que interesses
competitivos entre nações sempre existiram, e provavelmente existiram por muito
mais tempo, mas a “ciência” é muito mais do que o reducionismo cartesiano do
atual cenário político brasileiro.
Sim, o que é menos trivial agora
pode ser um grande incômodo. Não é estranho imaginar nos próximos anos, propostas
governistas para barrar o financiamento externo de pesquisas no Brasil. Não é
estranho imaginar que surja uma pauta do tipo: apenas financiamento estatal para
ciência brasileira...
Bom, parece que uma nova Idade
das Trevas está por vir.
Kemel A. B. Kalif (Artigo publicado no Estadão Noite de 10/03/2015)