terça-feira, 10 de março de 2015

Ciência, tecnologia e trevas


Deveria incomodar, mas já nem incomoda mais, o fato de um ministro não entender da pasta que comanda. Não incomoda, pois é praxe e já perdemos a paciência. Mas e quando, além de não entender patavinas do assunto, um ministro “joga contra” o que comanda? Se não nos incomoda o “muito trivial”, nos incomodemos então com o “menos trivial”.

O ministro da Ciência e Tecnologia é um desses casos. Em 2010, o então deputado federal Aldo Rebelo formulou toda sua argumentação para derrubar o Código Florestal em supostas armações internacionais, as quais financiariam ambientalistas no Brasil com um único propósito: atravancar o desenvolvimento do País com a “desculpa” da conservação da natureza. Um relatório de uma ONG americana intitulado “Farms Here, Forests There” (Fazendas aqui, Florestas lá), acabou sendo usado como a “prova” cabal de que um complô internacional armava-se para impedir a expansão do agronegócio brasileiro.

O referido relatório, da ONG Union of Concerned Scientists, trazia menções explícitas ao Brasil, argumentando que os EUA não teriam como competir com a imensa e barata produção de commodities brasileiras. Grande erro. A ideia do relatório era pressionar o Congresso americano a aprovar leis que viabilizassem mecanismos de pagamento pela manutenção de florestas “em pé” pelos americanos aos brasileiros. Mas é óbvio que o simples título – Fazendas aqui (nos EUA), floresta lá (no Brasil) – foi interpretado como uma manobra imperialista, uma verdadeira afronta ao nosso complexo de inferioridade.

O deputado viu também conspirações na ciência mundial e buscou, então, argumentos entre os chamados “climate change deniers” (“negadores das mudanças climáticas”, ao pé da letra) – uma linha minoritária na ciência que defende a não existência do aquecimento global. A estratégia foi usada para invalidar as inúmeras críticas a sua proposta de alteração do código florestal, dentre elas, o estímulo ao aumento do desmatamento na Amazônia e possíveis consequências nas condições climáticas regionais e nacionais.

Pois bem...

Agora em 2015 o ministro Aldo Rebelo continua procurando cabelo em ovo, desta vez para defender a Petrobrás. Não por menos, o ministro usou parte de sua fala na aula inaugural de um curso de engenharia em SP para apontar uma suposta conspiração internacional para derrubar a estatal brasileira. Em seu discurso, interesses externos estariam por trás de uma campanha para tornar a Petrobrás menos competitiva e, de quebra, privatizar o pré-sal!

Nisso tudo, o que realmente preocupa não é o trivial, seja o retrocesso no Código Florestal, seja a debacle da Petrobrás. Incomoda mesmo é o fato de que os rumos da ciência brasileira estejam nas mãos da uma xenofobia casual e oportunista! O que deverá ocorrer quando um cientista brasileiro renomado, que porventura tenha sua pesquisa financiada por países ricos, se posicionar contra o ministério ou o governo? Este será desmerecido? Será um eterno “representante de interesses externos”?

O fato é que interesses competitivos entre nações sempre existiram, e provavelmente existiram por muito mais tempo, mas a “ciência” é muito mais do que o reducionismo cartesiano do atual cenário político brasileiro.

Sim, o que é menos trivial agora pode ser um grande incômodo. Não é estranho imaginar nos próximos anos, propostas governistas para barrar o financiamento externo de pesquisas no Brasil. Não é estranho imaginar que surja uma pauta do tipo: apenas financiamento estatal para ciência brasileira...

Bom, parece que uma nova Idade das Trevas está por vir.


Kemel A. B. Kalif (Artigo publicado no Estadão Noite de 10/03/2015)

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