sábado, 9 de novembro de 2013

Para que tanta perna, meu Deus?

Vendo grandes manifestações populares, sempre lembro deste trecho do “Poema de sete faces”. 

Gosto de Drummond, e gosto das análises e especulações sobre como teria sido possível mobilizar tantas pernas naquelas manifestações do meio do ano. Gosto, mas não me arrisco nessa área, nem dos poemas, nem das causas das mobilizações. Arrisco noutra, na área das consequências: no que resultará tanta perna, meu Deus?

As pernas, espremidas - não mais no bonde de Drummond, mas nos atuais coletivos urbanos - reclamaram, uníssonas, da péssima qualidade do transporte público. Em São Paulo tal reclamação dilui-se entre prefeitura, que administra ônibus urbanos, e o governo do estado, que administra metrô, trem e transporte intermunicipal.

São Paulo capital concentra muitas pernas e, com elas, os grandes desconfortos de um sistema de trasporte que não acompanha a demanda das pernas. São Paulo também tem o maior número de pernas que andam para votar: cerca de 18 milhões delas, ou 9 milhões de eleitores. Significa dizer que o desempenho de um prefeito aqui, pode ter reflexo no desempenho do seu partido noutras esferas eleitorais.

Foi assim que os prejuízos políticos de um ano pré eleitoral foram pesados e, bingo..! Os 12 milhões de paulistanos, com suas 24 milhões de pernas, foram agraciados com a redução da tarifa de ônibus e, ainda, com o pretenso congelamento desta tarifa. 

Mas algo aconteceu entre as primeiras declarações do prefeito Haddad em atenção às pernas das ruas, e o momento em que foi anunciada a redução da tarifa. No auge das manifestações, Haddad havia declarado: era impossível retroceder no preço do ônibus! Até concordei! Afinal o aumento de R$ 3,00 para R$ 3,20 havia sido postergado em 2012 pelo então prefeito Kassab - quem sabe para deixar seu impopular mandato sem mais essa impopularidade!?

Mas eis que aqui aportou a trupe... Lula, Dilma e marqueteiro(s) - estes com mais bocas do que pernas - reuniram-se com Haddad. O prefeito voltou atrás e os tais 20 centavos foram eliminados. Sem dúvida não foi uma reunião de mero convencimento de Haddad para "ceder" às ruas, foi uma reunião de alinhamento da estratégia "presidentA 2014", com marqueteiro(s) a tiracolo. O que se desenhava ali naquela reunião em quarto de hotel chique de São Paulo?

Acalmados os ânimos, a "demagogia Robin Wood" petista deu as caras. Manobras "esquisitas" na câmara de São Paulo tiraram as pernas da oposição para aprovar o aumento do IPTU e, mesmo com liminar contrária, o prefeito sancionou: Vamos aumentar o IPTU "dos ricos" e reduzir o "dos pobres". Tudo para manter congelado o preço da passagem sem desequilibrar as contas públicas. A Lei está sem efeito, mas muita coisa ainda vai rolar...Por hora, deixa pra lá!

Paralelamente, não relacionado à liminar, mas talvez como parte da estratégia desenhada naquele hotel no meio do ano, Dilma veio aqui novamente. Dessa vez, aparentemente, com as própria pernas, não estava acompanhada da trupe, mas sim de alguns bilhões para obras em mobilidade urbana na metrópole. 

Agruras petistas devidamente transformadas em oportunidade! Super mérito! O projeto aqui tem tríplice caráter: “presidentA 2014”, “Padilha SP” e, claro, eliminação do tucanado. Não por menos os marqueteiros estão sempre por perto, não por menos nunca se investiu tanto em autopromoção. 

Que joguem-me as pedras... Mas, se por um lado a efervescência elevou o senso crítico colocando muitas pernas, ouvidos e bocas, nas ruas, por outro, sua característica ad hoc tem gerado efeitos deletérios. Terá sido apenas uma horda revoltosa, um aglomerado de pernas que, pela necessidade de expressar um descontentamento generalizado teria, assim, um efeito agregador e multiplicador? Porque não se consegue mais mobilizar quantidade semelhante de pernas? Ok, ok... Não me arriscaria na área das causas, certo? 

Na verdade, talvez seja prudente não me arriscar nem na área das consequências! Afinal, as causas e consequências de 2013 serão sempre revisitadas, e seu reflexo para as eleições de 2014 dependerá, talvez, de quantas pernas a trupe tiver para investir nas bocas dos seus marqueteiros.

No final de tudo, "...O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada..."