sábado, 4 de junho de 2011

Produtos de origem animal: consegues evitá-los ?

No Brasil existe um ditado popular que diz “do boi, só não se aproveita o berro”. Há até quem diga que se considerarmos cantigas do nosso folclore, “até o berro do boi se aproveita”.
De fato, o número de produtos que são aproveitados de um abate bovino é muito grande. Além da carne aproveita-se o couro, o sebo, o sangue, os ossos, cabeça, chifres, cascos, vísceras, glândulas, rabo, pelos, etc... num sem fim de matérias primas com as mais variadas e inusitadas aplicações – Para quem duvidar, procure saber como é feita a inocente gelatina. O sebo do boi, por exemplo, encontra uma diversificação tão grande que mesmo para quem trabalha na área sempre há um espaço para se abismar – eu não sabia que até nisso tinha sebo de boi...
São tantos “pedaços” de boi espalhados por aí, tão presentes no nosso dia-a-dia, que dá até para pensar no boi como um ser onipresente, e talvez por isso seja até irrelevante saber se isso ou aquilo “usa boi” na sua cadeia produtiva. Mas essa onipresença é exatamente o que me leva a duvidar da existência de veganos. Ser um vegano requer um nível de informação quase impossível de se acessar na hora de consumir um produto, seja alimentício, seja de vestuário, de higiene, ou mesmo na hora de abastecer o seu automóvel.
Isso mesmo, a indústria química que se desenrola a partir de produtos de origem animal é extremamente diversificada e eu não quero, e nem saberia, com propriedade, falar sobre isso. Porém vale apena dizer que o emprego do sebo bovino na indústria de limpeza, higiene e de cosméticos, vai muito, muito, mas muito além da a produção de sabão e sabonetes. São cremes hidratantes, pastas de dente, shampoos, cremes de barbear, perfumes, até maquilagens... Mas se você não usa nada disso – pô, nem escova os dentes? Ah vá!– talvez você limpe sua casa ou suas roupas e novamente lá está o emprego do sebo bovino: detergentes, água sanitária, desengordurantes, desinfetantes, aromatizantes, amaciantes...
E o que dizer de alguém que, por uma válida e salutar preocupação ambiental, opta por transportes que utilizem apenas o biodiesel? Digo, continue usando, pois é bem melhor do que petróleo, mas você precisa saber que entre 10 a 20% do biodiesel nacional é produzido de sebo bovino.
Se isso não é suficiente para chacoalhar suas convicções “anti produtos de origem animal”, vai a informação: ácidos produzidos a partir de gordura animal, especialmente de bois, são empregados até na produção de plástico e de borracha, produtos impossíveis de você se livrar no seu dia-a-dia. E olha que foquei apenas no emprego do sebo bovino, não falei da farinha de osso, dos cascos, do sangue, das vísceras... – quem nunca tomou uma cápsula, seja remédio ou vitamina, industrial ou manipulado, químico ou fitoterápico? Sinto informar, mas novamente tem boi na área.
Mas também, deixe-me fazer uma correção. Não quero, em hipótese alguma, fazer disso uma crítica deliberada aos veganos, pois estes pelos menos procuram se informar sobre a composição dos produtos que consomem. A crítica aqui é à chatice natureba, aos fiscais da dieta alheia e, principalmente, a essa hipocrisia que distorce uma já combalida noção de sustentabilidade.
Em suma, não comer carne não isenta ninguém da contribuição para a miserável condição dos “animaizinhos”, muito menos de sua parcela de responsabilidade no desmatamento para formação de pastagens na Amazônia. Quer ser isento da utilização de produtos de origem animal? Não viva, não nasça, nem ao menos seja concebido.
Tarefa menos inglória do que a de eliminar tais produtos da sua vida – quase o suporte da sua existência – é a de exigir padrões socioambientais de produção. Isso se aplica não apenas aos bois, mas também a basicamente toda a produção agropecuária e, em muitos casos, em toda a cadeia produtiva envolvendo dada commoditie. Existem N padrões, e muitos outros “Ns” sistemas que tentam atestar, para o consumidor, que aqueles padrões de produção foram realmente adotados em dada mercadoria na prateleira de um supermercado. São as famosas certificações socioambientais.
Neste ponto, então, você precisa saber de outras coisas, tipo: existem rótulos de comércio, uns sérios, outros nem tanto, e que para saber se um rótulo destes é sério, procure verificar em que princípios baseiam sua credibilidade. A premissa básica deve ser a de que, em se tratando de comércio, ninguém que resolva corrigir a própria prova e que faça uma auto-avaliação, é sério.
Sistemas de certificação socioambiental, mesmo os problemáticos, devem ser estimulados, melhorados, premiados. Eles ajudariam até mesmo os naturebas, pois garantiriam que o algodão daquela camisa 100% vegetal que vestem, ou mesmo os cereais que consomem, não foram plantados, colhidos, confeccionados, tratados, manipulados ou transportados, por trabalhadores em condições indignas – as vezes com um berro bem mais alto que o dos bois.
Kemel Amin B. Kalif: Agrônomo que não sabe plantar batata, mestre em zoologia/ecologia que não é biólogo, doutor em desenvolvimento sustentável onde se tornou esquizofrênico de uma vez por todas, pós-doutor em economia ecológica e rabugento de nascença.