quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Desarticulação, tolerância e descrédito.

Texto publicado no Estadão Noite (23/09/2013)



O ano era 2003, o primeiro ano de Lula, e um processo – hoje amplamente conhecido – estava apenas começando: a migração de lideranças socioambientais, da sociedade civil organizada para o governo.

A assimilação de cabeças "ponto org" pelo mundo "ponto gov" soava como avanço rumo ao balanceamento da relação desenvolvimento vs meio ambiente. Havia um sentimento de que, finalmente, as questões socioambientais romperiam sua condição marginal na política econômica.

Na contramão daquela euforia das organizações independentes, publiquei um artigo, diga-se, pessimista. Sugeria o início de um processo de desarticulação dos movimentos socioambientais, e também descrevia como a tolerância da sociedade civil se elevava mediante as ações - ou falta delas - governamentais.

Provavelmente não foi um objetivo deliberado, mas talvez tenha sido um efeito colateral muito bem vindo ao governo. O que ocorria era o esvaziamento da massa crítica – em tese apartidária – capaz de argumentação contrária ao governo. Era, portanto, um alerta sobre a existência de um artificialismo que reduzia o conflito entre anseios socioambientais e o legado desenvolvimentista.

Foi neste contexto que, paradoxalmente, a agenda socioambiental foi sendo gradativamente preterida, empurrada novamente para a margem do velho crescimento econômico. Fóruns consultivos foram extintos e legislações, notadamente o Código Florestal Brasileiro, foram alteradas, num conjunto de ações tidas pela própria sociedade civil “remanescente”, como imenso retrocesso socioambiental.

Mas se por um lado as previsões foram acertadas, por outro, um terceiro processo, não imaginado no artigo de 2003, veio se intensificando. Trata-se do caminho inverso, ou seja, o mundo "ponto gov" também se arriscou dentro do mundo "ponto org"... Não tardou para que alguns dos nossos ilustres políticos vissem, no terceiro setor, novas formas de enriquecimento ilícito. Criaram suas próprias fundações e associações sem fins lucrativos, porém, obviamente, de mera fachada. O resultado, sabemos: desvio de recursos.

Este talvez tenha sido o efeito mais deletério para a sociedade civil organizada, especialmente para as entidades sérias que realmente trabalham pelo que se propõem em seus estatutos. Passaram a carregar um estigma que antes marcava apenas a política brasileira: o da corrupção.


Significa dizer que arrisquei uma previsão bem pessimista, 10 anos atrás... Teria sido mais assertivo se tivesse sido muito mais pessimista.