Texto publicado no Estadão Noite (23/09/2013)
O
ano era 2003, o primeiro ano de Lula, e um processo – hoje
amplamente conhecido – estava apenas começando: a migração
de lideranças socioambientais, da sociedade civil organizada
para o governo.
A
assimilação de cabeças "ponto org"
pelo mundo "ponto gov" soava como avanço rumo ao
balanceamento da relação desenvolvimento vs meio
ambiente. Havia um sentimento de que, finalmente, as questões
socioambientais romperiam sua condição marginal na
política econômica.
Na
contramão daquela euforia das organizações
independentes, publiquei um artigo, diga-se, pessimista. Sugeria o
início de um processo de desarticulação dos
movimentos socioambientais, e também descrevia como a
tolerância da sociedade civil se elevava mediante as ações
- ou falta delas - governamentais.
Provavelmente
não foi um objetivo deliberado, mas talvez tenha sido um
efeito colateral muito bem vindo ao governo. O que ocorria era o
esvaziamento da massa crítica – em tese apartidária –
capaz de argumentação contrária ao governo. Era,
portanto, um alerta sobre a existência de um artificialismo que
reduzia o conflito entre anseios socioambientais e o legado
desenvolvimentista.
Foi
neste contexto que, paradoxalmente, a agenda socioambiental foi sendo
gradativamente preterida, empurrada novamente para a margem do velho
crescimento econômico. Fóruns consultivos foram extintos
e legislações, notadamente o Código Florestal
Brasileiro, foram alteradas, num conjunto de ações
tidas pela própria sociedade civil “remanescente”, como
imenso retrocesso socioambiental.
Mas
se por um lado as previsões foram acertadas, por outro, um
terceiro processo, não imaginado no artigo de 2003, veio se
intensificando. Trata-se do caminho inverso, ou seja, o mundo "ponto
gov" também se arriscou dentro do mundo "ponto
org"... Não tardou para que alguns dos nossos ilustres
políticos vissem, no terceiro setor, novas formas de
enriquecimento ilícito. Criaram suas próprias fundações
e associações sem fins lucrativos, porém,
obviamente, de mera fachada. O resultado, sabemos: desvio de
recursos.
Este
talvez tenha sido o efeito mais deletério para a sociedade
civil organizada, especialmente para as entidades sérias
que realmente trabalham pelo que se propõem em seus estatutos.
Passaram a carregar um estigma que antes marcava apenas a política
brasileira: o da corrupção.
Significa
dizer que arrisquei uma previsão bem pessimista, 10 anos
atrás... Teria sido mais assertivo se tivesse sido muito mais
pessimista.