domingo, 6 de novembro de 2011

Boa intenção ou desserviço ?

Destaco fotos que foram publicadas pelo UOL notícias. As fotos são da ciclofaixa de Moema, com inúmeros flagrantes de completo desrespeito, inclusive com registro do protesto da dona do Pajero, parado em cima da ciclofaixa e com placa encoberta por um plástico. (http://noticias.uol.com.br/album/111105moema_album.jhtm?abrefoto=6#fotoNav=12 ). Destaco também a reportagem do Jornal Nacional, onde comerciantes se indignam com uma simples ciclofaixa, e onde a mesma dona do Pajero dá o seu recado (http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/t/edicoes/v/pesquisa-analisa-a-mobilidade-em-nove-capitais-do-brasil/1686633/ ).

Pois é, estas reportagens revelam alguns pesos a serem levados em conta na questão da mobilidade em São Paulo e, especialmente, no que se refere a dicotomia "lazer versus funcionalidade" no uso de bicicletas. Via de regra, ciclofaixas, ciclorotas ou ciclovias, cada uma com sua especificidade, quando não ligam uma área residencial a uma área comercial, quando não atendem as necessidades de deslocamento que não as localizadas em uma área específica, tendem a ter a conotação de mero lazer. Neste ínterim, o estabelecimento de vias aos ciclistas acaba por prestar um desserviço para o próprio ciclista. 

Digo isso porque os condutores de carros e motos, julgando-se os únicos imbuídos de vencer a corrida e o estresse do dia-a-dia, os únicos cuja necessidade de não se atrasar seria legítima, não poderiam ter outra visão sobre a bicicleta: "vá se divertir em outro lugar!" - Eis o desserviço !

Se o ciclista já está errado trafegando na parte que lhe é reservada, imagina quem é obrigado, por falta de opção, a trafegar em meio aos carros !?

Como sendo um ciclista que aboliu completamente o uso do automóvel em deslocamentos casa-trabalho-casa, todos os dias sofro com a idiotice de pessoas que vêem a bicicleta como algo que está, constantemente, no lugar errado. Logicamente, tendo a me revoltar com pessoas como a comerciante das imagens. Porém, antes de atirar esta pedra, acho que devemos considerar um outro ator nesta questão, alguém que nem ao menos vem sendo mencionado nas discussões sobre a ciclofaixa de Moema: a Prefeitura de São Paulo. 

A prefeitura quer, assim como qualquer governo, seja municipal, estadual ou federal, seja do partido "A" ou "B", tão somente, atingir bons números em qualquer área que lhe renda alguma vantagem para vender o peixe. Não importa que estes números não sejam, de fato, efetivos. - É como dizer que ampliou as creches e escolas municipais em "X" vagas, quando, na verdade, mais da metade destas vagas não são funcionais por não terem sido contratados os educadores. 

No trânsito, é a mesma coisa, e no caso das bicicletas os números podem ser usados ainda para promover diversas secretarias: trânsito, lazer e esportes, urbanismo e planejamento, meio ambiente, etc. Portanto, o que importa é dizer, ao final: "no meu governo, construímos X quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas".

Nós, ciclistas, costumamos comemorar cada metro de ciclovia inaugurado em São Paulo, e o fazemos com o otimismo na crença de que seria o começo de um processo lento. Sem dúvida o processo é lento, mas não há mais tempo para processos lentos no caos. Pior ainda é quando, sem planejamento, fiscalização, infraestrutura, se estabelece algo como no caso de Moema: um improviso que tem mais chance de prejudicar alguma mudança na cultura do carro.

Nesta ciclofaixa, assim como a tal da "Ciclorota do Brooklin" (mencionada no post: http://kemelkalif.blogspot.com/2011/07/sou-um-carro-menos-ate-quando.html), o destino, não metafórico, é o esquecimento.


Kemel Amin B. Kalif: Agrônomo que não sabe plantar batata, mestre em zoologia/ecologia que não é biólogo, doutor em desenvolvimento sustentável onde se tornou esquizofrênico de uma vez por todas, pós-doutor em economia ecológica e rabugento de nascença.