sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Um gás não convencional, um autoritarismo comum



Em agosto de 2013, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e a Academia Brasileira de Ciência - ABC enviaram carta à Presidência da República, questionando uma precipitada decisão da Agência Nacional de Petróleo. A decisão da ANP havia sido de incluir, na 12ª rodada de licitação de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, a possibilidade de exploração de gás não convencional.

O gás não convencional, o chamado gás de xisto ou shale gas, está "aprisionado" nas rochas subterrâneas. Sua extração é feita através do fraturamento hidráulico da rocha, ou “fracking”, e, para tanto, são injetados imensos volumes de água misturada à areia e até 600 componentes químicos diferentes. Essa mistura dificulta a reutilização da água e cria também um imenso problema logístico para seu descarte. O alerta da ciência aponta também a possibilidade de contaminação, de forma irreversível, dos aquíferos subterrâneos, seja pelo vazamentos de metano, seja da própria “mistura”.

O leilão ocorreu nesta quinta feira, dia 28 de novembro, e até então, nem a ANP nem a Presidência da República haviam respondido as perguntas simples dos cientistas: de onde vem e para onde vai essa água?

Dos 240 blocos ofertados, 72 foram arrematados, totalizando 47,4 mil km2 distribuídos em 5 bacias sedimentares, por todo o Brasil. Grande parte dos blocos de exploração está no Paraná, e ameaça o maior aquífero da América do Sul, o Aquífero Guarani. Também um dos blocos arrematados está na Floresta Amazônica, no Acre, onde não há gasodutos e o escoamento deverá ser feito por caminhões. A infra  necessária pode ser faraônica e, obviamente, vem acompanhada de especulação de terras, aquecimento econômico local efêmero e posterior abandono e pobreza. O cenário é agravado pela característica itinerante da exploração, sendo que a vida útil estimada de produção, por poço perfurado, é de 2 anos.

Mas o governo tapou os ouvidos não apenas para os acadêmicos. Organizações da sociedade civil e ministérios públicos também questionam a falta de transparência no processo decisório. Não por menos, pipocam pelo Brasil ações judiciais para impedir o fracking. Dentre os argumentos está o fato de que não há como responsabilizar uma empresa por um eventual vazamento pois, simplesmente, não há um marco que determine a condição atual dos aquíferos. Um exemplo vem do estado americano do Texas, onde existem várias usinas instaladas e cerca de 30 cidades estão sem água potável. Observou-se também a dizimação de rebanhos e plantações inteiras. Ainda assim, empresas se defendem argumentando que não há provas de sua responsabilidade.

Que pese tal aspecto, há que se considerar que, diferentemente dos EUA, as fontes de gás natural já existentes no Brasil, somadas aos combustíveis alternativos e o próprio petróleo do pré-sal, não justificariam, mesmo que apenas do ponto de vista econômico, o risco da aventura. Porque então a pressa, suplantando até a competência da própria Agência Nacional de Águas (ANA), a qual não foi envolvida na regulamentação do processo? Sem dúvida, não é mera questão de “seguir a moda americana” e a explicação pode ser mais simples. O governo Dilma gasta mais do que arrecada e, com a proximidade das eleições, teve pressa em agregar valor aos blocos ofertados para elevar o ágio, gerar maior arrecadação, e diminuir o déficit público sem recorrer ao impopular aumento de impostos. Mas tal como os impostos, somos nós que pagaremos pelos passivos ambientais gerados nesse "experimento" em larga escala. 

Kemel Kalif é doutor em Desenvolvimento Sustentável e pós-doutor em Economia Ecológica

6 comentários:

  1. Excelente ! Aprendi bastante sobre essa coisa que confesso, escutava falar e não sabia do que se tratava. Abração. Ana.

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  2. Essa eu também não sabia... É muita safadeza e incompetência em todas as áreas do governo no Brasil.

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  3. Você foi no cerne da questão e matou a charada ! Acompanho o desenrolar do fracking no Brasil, e esta me perguntando porque o governo não quer ouvir ninguém sobre isso. Cheguei a acreditar que realmente era uma questão de modismo, de imitar americanos, de ficar na crista da onda. Ora ora ora, é mais simples !!!! Muito bom !!!!! Deco

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  4. Kemel Kalif é complicado postar comentários aqui. Levei um tempo tentando entender mas só consegui comentar como: "anônimo" queria dizer é que gosto das suas postagens. Essa coisa do Xisto é muito complicada mesmo o não entendi nada disso. Ass: Ane P.

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  5. Nos oceanos também tem risco de contaminação.

    http://racismoambiental.net.br/2013/11/california-analise-revela-que-a-industria-de-fraturacao-hidraulica-offshore-bombeia-agua-contaminada-para-o-mar/ Ass:

    AneP.

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  6. Olá Ane P. Obrigado pelo link. Bem instigante. Quanto aos comentários, de fato o ambiente do blogspot não é muito convidativo. Bom, para quem não tiver nenhum dos perfis que o blog sugere, melhor comentar como anônimo mesmo. Grande agraço e mais uma vez obrigado. Kemel

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