quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O raro jargão

Já perceberam o quanto que nos deparamos com a palavra “sustentabilidade”, e derivados, no nosso dia-a-dia ?
É um jargão tão reconhecidamente jargão, que até falar que sustentabilidade é um jargão, também é um jargão!
Mas o que não é reconhecido é que, embora o Desenvolvimento Sustentável tenha alcançado o imaginário popular, sua essência permanece incógnita para população e, pior, para os tomadores de decisão. Neste ínterim, há que se considerar diversos agentes causais, destacando-se, obviamente, a grande mídia e, não menos importante, a omissão da academia em traduzir para a sociedade seus complexos artigos científicos. O resultado, vemos todos os dias, uma sustentabilidade banalizada, sinônimo de reciclagem de lixo e, quando muito, de uso um pouco mais racional da água.
Mas falar que sustentabilidade vai além, também é um jargão... Afinal, todos sabem que “ela” é mais que isso...
Existe até aquela clássica representação na forma de um triângulo, onde cada uma das forças – ambiental, social e econômica – está disposta num dos vértices. O desenvolvimento da humanidade deveria, segundo tal representação, ocorrer sem desequilíbrio das forças, mantendo o triângulo, eternamente, eqüilátero.
No mundo dos negócios a sustentabilidade assume a forma de qualidade de produtos, serviços ou processos produtivos, e, como tal, passa a ser adjetivo de auto-condecoração: somos os melhores, somos os maiores, somos sustentáveis.
O que se perdeu neste processo, ou nem ao menos foi um dia compreendido de fato, foi que a condição de sustentável é um horizonte a ser, constantemente, perseguido, e não um status que se atinja adotando essa ou aquela medida dentro do simplista triângulo.
Uma analogia muito bem sucedida acerca do que seria o Desenvolvimento Sustentável, nos é fornecida pela termodinâmica. Tenhamos em mente o exemplo da “máquina de movimento perpétuo”, ou do latim perpetuum mobile, que seria descrito como um motor que nunca para de funcionar, sendo necessária apenas uma quantia inicial de energia que seria reaproveitada, infinitamente, no sistema. Seria, por exemplo, o motor de um carro que funcionaria, eternamente, com uma única quantidade de combustível – De cara, percebesse: impossível de existir tal motor – Mas porque ?
O que motores a combustão fazem é transformar a energia térmica (da explosão do combustível) em energia mecânica (movendo engrenagens), para executar uma tarefa. Na concepção da máquina de movimento perpétuo, a energia inicial aplicada seria reaproveitada no final, convertida novamente em energia térmica, novamente em mecânica e, novamente utilizada. O motor nunca deixaria de funcionar por não haver perda de energia.
A construção de tal máquina é impossível devido uma lei tão certa quanto a da gravidade: a entropia termodinâmica. No caso do motor, a grosso modo, significaria dizer que parte da energia aplicada no seu funcionamento, sempre, invariavelmente, será perdida, e não poderá ser reaproveitada no sistema. O mero atrito entre engrenagens do motor representa uma perda da energia mecânica que acaba por gerar calor que, por sua vez, se perde para a atmosfera. E mesmo que fosse possível construir um sistema que canalizasse o calor gerado pelo atrito de todas as peças, para tentar reaproveitá-lo no sistema, ainda assim, haveria perda de energia.
A perda de energia é a entropia do sistema, e ocorre pois não existem sistemas fechados. Mesmo uma garrafa térmica com um líquido quente, perde calor para atmosfera; mesmo o planeta Terra, o Sol, o Sistema Solar e, em última instância, o Universo, perdem energia... Em termos de energia pode-se dizer, e sem causar pânico ou alarde: caminhamos para o "fim".
Mas voltando a nossa analogia, por isso o motor precisa de constante entrada de energia para manter-se funcionando – Simples assim!
Contudo, apesar de tal impossibilidade, o motor perpétuo serve de horizonte norteador na construção de motores reais. Tal horizonte inspira a tecnologia na busca de maneiras de reduzir a perda de energia, fazendo com que, atualmente, os motores executem o mesmo trabalho que motores de outrora, porém com entrada de energia bem menor.
A invevitabilidade da perda de energia pode ser comparada, diretamente, a impossibilidade de se produzir e consumir alimentos, sem ocasionar perdas insubstituíveis a natureza. Também é da mesma forma que o Desenvolvimento Sustentável é um horizonte norteador: atualmente se produz mais alimento em menor espaço, com possibilidades reais de reduzir efeitos deletérios ao meio ambiente e ao homem.
Desta forma, algo pode ser mais ou menos sustentável, estar mais ou menos distante daquele “horizonte perpétuo”, mas não pode ser, na essência, sustentável, pois aquele horizonte é, em princípio, impossível de existir.
Em suma, o que o Desenvolvimento Sustentável propõe é que as atuais gerações de humanos não comprometam a existência das gerações futuras que, por sua vez, não devem comprometer as gerações vindouras, e assim por diante. Não comprometer gerações futuras, ad infinitum, é como construir uma máquina de movimento perpétuo, portanto, impossível. No entanto, deixar o máximo de recursos para as gerações futuras que, por sua vez, deixem o máximo que puderem para as gerações seguintes...sim, essa é a verdadeira perpetuação da espécie humana. O que temos nas mãos é a possibilidade de, tão somente, atrasar o fim.
– E porque, então, atrasar o “fim”, se ele é inevitável?
Para responder, vamos lembrar das ideias de Thomas Robert Malthus, que dizia que logo chegaria o ponto onde não se produziria alimentos para suportar a população do planeta. Ele estaria certo numa situação onde não houvessem inovações tecnológicas. Em outras palavras, Malthus lançou suas ideias baseado na realidade e nos preceitos de sua época – uma Inglaterra feudal onde o aumento da produção de alimentos só ocorreria com o aumento do tamanho da área plantada. Seu erro foi não considerar a possibilidade de que novas descobertas virassem a mesa do jogo, como de fato viraram. Por exemplo, a simples técnica da rotação de culturas veio logo em seguida, e aumentou consideravelmente a produção de alimentos sem aumentar o tamanho da área plantada, o que, aliás, foi uma das causas para o fim do sistema feudalista.
Pois bem, a resposta é essa, devemos ganhar tempo para que o futuro nos responda como perpetuar a espécie humana. Afinal, mesmo este texto simplório está escrito dentro dos paradigmas e do conhecimento atuais, portanto, sujeito ao erro.
O fato é que vivemos na era do capitalismo, onde a busca pela sustentabilidade representa, nada além do que o aumento dos custos operacionais. Embora a maximização de lucros, cortando custos operacionais, seja o lugar comum no mundo atual, e embora nem ao menos haja sinal de que isto acabará no curto o médio prazo, não podemos crer que o capitalismo veio para ficar.
Devemos, sim, ganhar tempo... Não deixemos que a banalização da sustentabilidade nos leve a uma descrença suicida.